Ao ser lançado em outubro de 2016, o programa Criança Feliz, debaixo do guarda-chuva do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), apareceu com pinta de ser a menina dos olhos do presidente Michel Temer. Com a primeira-dama Marcela Temer à frente como embaixadora do projeto, a meta era de acompanhar 750 mil gestantes e crianças até 2017. Apesar de não ter chegado ao resultado, a margem da meta mais do que dobrou a expectativa até o final de 2018: o governo esperava impactar 1,8 milhão de pessoas. No entanto, até o dia 7 de junho, não chegou sequer a completar 16,5% desse objetivo. Desde o lançamento, foram 255.096 crianças e 41.376 grávidas visitadas — um total de 296.472, muito abaixo da expectativa.
Ao ser procurado pela reportagem e questionado sobre a meta, o governo não citou o dado de 1,8 milhão, que consta em relatório elaborado pela Casa Civil. Apontou um objetivo bem menos audacioso. “As metas do programa referem-se ao número de indivíduos beneficiados e número de visitadores necessários para atendê-los. A meta é chegar a 600 mil pessoas visitadas (entre gestantes e crianças) e 22 mil visitadores em 2018”, afirmou. Um objetivo menor até do que a proposta anunciada para 2017. Segundo o MDS, o orçamento de 2018 do programa é de R$ 494 milhões.
É maior do que o do seu lançamento, de R$ 27 milhões em 2016, e o anunciado em 2017, de R$ 300 milhões.
Nascido com a premissa de orientação às famílias para melhorar os cuidados na primeira infância, a proposta do Criança Feliz é um acompanhamento contínuo (com visitas semanais) de gestantes e crianças com até três anos de idade, que sejam beneficiárias do Bolsa Família. E também àquelas de até seis anos, de famílias que recebam o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Até o final deste mês, no dia 30 de junho, o programa recebe novas adesões — desde 14 de dezembro até 31 de maio, de acordo com o MDS, 251 municípios solicitaram a participação.
A adesão dos estados não foi imediata. Para convencê-los, houve um apelo e até visitas do Ministério. Em março deste ano, por exemplo, o então ministro da pasta, Osmar Terra, chegou a palestrar na região de Jaraguá do Sul, no estado de Santa Catarina. No estado, a política chegou somente no final de março e, até agora, somente dez municípios aderiram. Do total de 5.570 municípios no país, 3.780 preenchem os requisitos de elegibilidade para fazerem parte do Criança Feliz (ter Centro de Referência de Assistência Social, o Cras; e ter, no mínimo, 140 indivíduos do público do programa). No entanto, com adesão ativa, são 2.691 municípios. Dos lugares com visitas iniciadas, e que funcionam de fato, são 55% dos elegíveis (2.093). O MDS, além de afirmar que a adesão é voluntária, justificou que “nos estados onde há menor concentração do público-alvo (beneficiários do Bolsa Família e do BPC), a quantidade de municípios elegíveis é menor, como é o caso de Santa Catarina”.
Um estudo técnico da Confederação Nacional de Municípios (CNM) em setembro de 2017 apontou que a falta de totalidade de execução dos municípios que aderiram à política social do governo, segundo a análise, “transparece as contradições técnicas apresentadas pelo programa e pouca capacitação ofertada, bem como a ausência de material de apoio”.
Dois anos após a implementação, o Criança Feliz ainda é alvo de críticas. O Conselho Federal de Serviço Social se posicionou contra o programa por ter sido criado “à revelia de qualquer discussão com os Conselhos das políticas da intersetorialidade do programa”. Segundo Régia Prado, assistente social e conselheira do CFES, o ideal seria fortalecer o Sistema Único de Assistência Social (Suas), que tem uma atuação semelhante. “Acreditamos que investir na política de assistência, e não em ações paralelas [como o Criança Feliz] contribuiria na oferta do serviço com qualidade à população”, afirma. “Na realidade, ele não deveria ter sido implantado, e sim construído coletivamente na consolidação do Suas”.
Além disso, Régia desaprova a proposição de orientação, pois diz que o estado é o responsável por prever as condições necessárias para o desenvolvimento da criança. “A questão da alimentação, por exemplo, [imagine que] tem uma família com uma renda de R$ 500. Você vai lá e diz: ‘a alimentação adequada é essa’. Mas aquela família não tem condições financeiras de prover uma alimentação adequada. Entendeu?”, questiona. O MDS justifica que “a metodologia foi especialmente construída para o trabalho com este público”, baseada em evidências científicas e estudos sobre a efetividade do investimento.
O Comitê Diretivo do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB), além de desaprovar o que considera “a sobreposição de ações já desenvolvidas, tanto pela área da saúde tanto pela assistência social”, diz que a atuação submete as famílias a um visitador sem formação específica para orientá-los. Nessa concepção, acreditam que é uma política compensatória que se baseia em ações paliativas, e não estruturais, para o enfrentamento da pobreza. Soeli Pereira, do comitê diretivo do MIEIB, argumenta que “o programa prevê uma formação das famílias como se elas não tivessem, por serem grupos em vulnerabilidade, condições de educar seus filhos. É um claro desrespeito às idiossincrasias e aos diferentes arranjos familiares”.
O Ministério de Desenvolvimento Social é o responsável por ser o multiplicador dos estados, que por sua vez capacitam supervisores municipais (que têm formação superior) e os visitadores (que têm formação no ensino médio). Até o dia 7 de junho, 3.058 supervisores e 13.496 visitadores haviam sido contratados. O próprio MDS reconhece as dificuldades de implementação da política. Até agora, 189 municípios pediram a desistência da adesão, mesmo após o repasse dos recursos. “O principal motivo relatado pelos municípios é a dificuldade de realizar contratações e gerir as equipes”, afirmou, em nota.
De acordo com a pasta, os principais entraves são “dificuldade de contratação de profissionais por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e por conta do perfil adequado ao tipo de trabalho”. Dados do Prontuários Suas (Sistema Único de Assistência Social) apontam 408 municípios sem equipe designada, 161 com equipe incompleta e 2.120 com equipe completa.
Rosangela Santos, que deixou recentemente a posição de vice-presidente e representante da sociedade civil do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), ressalta que há Centros de Referência de Assistência Social (Cras) já com falta de equipe mínima de funcionalidade, como um psicólogo ou pedagogo — e que passam a assumir outra função com a adesão do município ao programa, com a missão de supervisionar as equipes. “No ano passado, a política de assistência social teve um recorte de recursos imenso desde a PEC do congelamento. O programa Criança Feliz é para ser gerenciado dentro do Cras. Muitos municípios, pela perda de recursos, já não conseguem sustentar nem os serviços básicos do Cras. E aí, eles ainda vão ter mais uma função”, afirma.
Fonte: https://br.noticias.yahoo.com/prestes-chegar-ao-segundo-semestre-crianca-feliz-atingiu-165-da-meta-de-visitas-familias-182425107.html