Entrevista Rede Governança Brasil – O RGB Entrevista de hoje é com Rita de Cássia, Consultora de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal e coordenadora do Curso de Especialização em Avaliação de Políticas Públicas do Instituto Legislativo Brasileiro, que foi entrevistada por Welles Matias de Abreu e Dalmo Jorge Lima Palmeira.
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RGB- A partir de 2015, a OCDE passou a divulgar e recomendar os 10 Princípios Orçamentários para a Boa Governança Orçamentária. Até que ponto o sistema orçamentário brasileiro é aderente a esses princípios? E qual o estágio de implementação desses princípios no Brasil?
Rita de Cássia – O Brasil é o país não-membro mais aderente aos instrumentos da OCDE, fruto, em boa medida, dos esforços empreendidos nos últimos três anos para credenciar-se junto à Organização. Dos 245 instrumentos do chamado “Aquis”, que é o acervo de recomendações da OCDE, o Brasil já aderiu a 38%. O desempenho é ainda mais expressivo quando se consideram os 68 instrumentos que versam sobre o tema da governança: o Brasil já aderiu a 47% (32 instrumentos, inclusive os de governança orçamentária) e outros 12 estão com adesão solicitada.
Portanto, o Brasil é, sim, aderente às recomendações da OCDE sobre governança orçamentária, incluindo os dez princípios citados. Mas vou dar um dado que surpreende a muitos e nos faz ver que é preciso mergulhar mais fundo na questão do que significa aderir à Organização: o Brasil é plenamente aderente às recomendações sobre política educacional, enquanto sabemos que nosso desempenho no PISA e em outros indicadores de educação é muito ruim.
Por isso considero relevante distinguir entre agenda formal e o que gosto de chamar de “agenda substantiva”. Enquanto a agenda formal abarca os compromissos publicamente assumidos pelo Estado, a agenda substantiva se refere ao subconjunto desses compromissos que de fato obtém inputs de apoio para que as condições necessárias à sua efetivação sejam construídas. Não se trata de “mandar fazer” e passar para as etapas clássicas de elaboração e formulação de políticas, mas algo anterior a isso: trata-se de gerar um imperativo político a partir do qual se deflagram processos decisórios transformadores. Sob este ponto de vista, há muito a cuidar para termos de fato a boa governança orçamentária propugnada pela OCDE. Está no prelo uma publicação no qual escrevo um capítulo examinando essa questão para cada um dos dez princípios mencionados. Comento aqui dois exemplos, relativos aos princípios 4 e 5 da Organização.
O Princípio 4 propugna que dados e documentos orçamentários sejam abertos, transparentes e acessíveis. Neste quesito estamos muito bem posicionados: o Brasil é tido como dos países mais transparentes em dados sobre as finanças públicas federais, francamente acessíveis e veiculados em plataformas modernas de consultas gerenciais. Mas o propósito dessa recomendação não é o cumprimento formal de um quesito. É assegurar substancialmente um debate inclusivo, participativo e realista sobre as escolhas orçamentárias, conforme explicitado no Princípio 5 da Organização. Dados abertos, mas dotados de baixo teor informativo e baixa capacidade em dar cumprimento à função essencial da contabilidade pública – a de iluminar fenômenos relevantes para a tomada de decisão em políticas públicas – não servem à produção de valor real. No estado atual das codificações orçamentárias, os dados não veiculam informações sobre as políticas públicas que financiam, nem sobre os segmentos beneficiários dessas políticas: programas orçamentários de amplo escopo e ações orçamentárias genéricas vinculam um mesmo crédito orçamentário a políticas públicas variadas, em franco conflito com o princípio orçamentário da especificidade. A reforma orçamentária realizada em 2012 agravou substancialmente o problema, mas os governos seguintes persistem no modelo.
Em recente encontro do Working Party of Senior Bugdet Officials (SBO), representantes da OCDE apontaram como um dos principais desafios de governança orçamentária na atualidade a aproximação entre o ciclo orçamentário e o ciclo das políticas públicas, mostrando que o problema é parte de um desafio mundial, não apenas do Brasil. O ponto é que se essa questão não for abertamente enfrentada por nós – e, a meu ver, não há presentemente movimento robusto nesta direção – nossa honrosa posição de 6° colocado no ranking internacional de transparência orçamentária será menos valorosa do que o título faz parecer.
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